Bom dia • 03/12/2024
A possibilidade de uma pessoa jurídica ser responsabilizada por conduta definida como crime, assim como ocorre com as pessoas físicas, tem base na própria Constituição Federal. Em seu artigo 173, parágrafo 5º, a Carta Magna estabelece que a legislação infraconstitucional deve definir a responsabilidade da pessoa jurídica pelos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, sem prejuízo da responsabilização dos dirigentes. Já o artigo 225, parágrafo 3º, prevê que as condutas lesivas ao meio ambiente também estão sujeitas a sanções.
Esses dispositivos constitucionais, contudo, ainda não foram completamente regulamentados, o que deixa margem para questionamentos sobre a extensão e os efeitos de eventual condenação criminal da pessoa jurídica. A situação é mais clara apenas em relação aos delitos ambientais, porque a Lei 9.605/1998, ao dispor sobre as sanções penais derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente, traz especificamente a previsão de responsabilização das pessoas jurídicas.
Ainda assim, o tema é controverso na doutrina e na jurisprudência, especialmente em relação às formas de execução da decisão condenatória, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) trazer uma resposta a cada caso.
Após o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do RE 548.181, o STJ modificou a sua jurisprudência e deixou de adotar a teoria da dupla imputação para a responsabilização das pessoas jurídicas por crimes ambientais.
Antes, o tribunal entendia que essa responsabilidade dependia da imputação concomitante da pessoa física que agia em nome da pessoa jurídica (ou em seu benefício). Isso porque, conforme explicou o ministro Reynaldo Soares da Fonseca no julgamento do RMS 39.173, “somente à pessoa física poderia ser atribuído o elemento volitivo do tipo penal (culpa ou dolo)”.
Com a decisão da Suprema Corte, detalhou o ministro, o STJ seguiu o entendimento de que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais independentemente da responsabilização da pessoa física que a represente.
No recurso relatado pelo ministro, a Quinta Turma manteve ação penal contra a Petrobras por provocar danos ambientais durante a implantação do trecho marítimo do gasoduto do Projeto Manati na Baía de Todos os Santos, na Praia de Cairú, em Salinas da Margarida (BA), no ano de 2005. A empresa pedia o trancamento da ação contra ela em razão de a pessoa física ligada ao crime ter sido absolvida.
Reynaldo Soares da Fonseca também relatou embargos de declaração em um recurso no qual o sócio de uma pousada pediu o reconhecimento da prescrição da pena imposta ao estabelecimento por crime ambiental.
No EAREsp 1.439.565, o sócio alegou que houve omissão na decisão do ministro que indeferiu liminarmente os embargos de divergência em que sustentou essa tese.
Na avaliação do ministro, contudo, não havia como analisar o pedido, pois a pessoa física não poderia arguir tal matéria em nome da pessoa jurídica – o que foi feito pelo sócio tanto nos embargos de divergência quando nos embargos de declaração em análise.
“Se a pessoa jurídica pretende arguir a extinção da punibilidade da pena a si imposta, deve fazê-lo em nome próprio”, disse.
A prescrição antes do trânsito em julgado nos crimes ambientais, ainda que praticados por pessoa jurídica, e cuja pena não seja exclusivamente a de multa, deve ser regulada pelos prazos previstos no artigo 109 do Código Penal (CP). O preceito estabelece que “aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade”.
Esse entendimento foi aplicado pela Sexta Turma no julgamento do AREsp 1.621.911, ao concluir que não houve a prescrição da pretensão punitiva do crime de poluição atmosférica praticado por uma empresa. A denunciada sustentou no STJ que deveria ser aplicada ao seu caso a regra contida no artigo 114, I, do CP, que estabelece em dois anos o prazo prescricional da pena de multa.
O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, explicou que a Lei 9.605/1998 definiu os delitos ambientais e as respectivas penas, mas não previu disposições específicas sobre a prescrição, razão pela qual são aplicáveis as regras contidas no CP aos crimes ambientais.
Segundo o ministro, o prazo prescricional de dois anos – sustentado pela empresa – aplica-se em apenas duas situações: quando a pena de multa for a única cominada abstratamente pela lei ou quando for a única aplicada concretamente pelo órgão julgador, o que não era o caso em julgamento.
O ministro disse que a Lei de Crimes Ambientais comina exclusivamente a pena privativa de liberdade ao delito de poluição. No caso, por se tratar de pessoa jurídica – esclareceu –, a aplicação da pena seria em uma das modalidades previstas no artigo 21 dessa lei.
O relator observou que a definição sobre qual das penalidades aplicar ao caso caberia ao juízo de origem, o qual deveria eleger, em eventual condenação e no exercício de sua discricionariedade motivada, a sanção adequada à repressão do delito.
“Não se trata, portanto, da hipótese do artigo 114, I, do CP, haja vista que a multa não é a única cominada, abstratamente, ao crime do artigo 54, parágrafo 2º, da Lei 9.605/1998 e não é possível afirmar, neste momento processual, que ela será aplicada isoladamente, caso seja julgada procedente a acusação”, disse.
Recentemente, no julgamento do RHC 154.979, a Sexta Turma declarou a ineficácia de uma colaboração premiada celebrada entre o Ministério Público de São Paulo e a empresa Camargo Côrrea, por entender que não há previsão legal para esse tipo de acordo.
“A interpretação das leis penais e processuais penais merece relevante atenção, por tratarem, em maior ou menor extensão, do direito de liberdade do cidadão. Daí que essas normas, salvo se para beneficiar o investigado/acusado, ou em casos de normas efetivamente sem conteúdo penal, devem ser interpretadas de maneira a obedecer ao máximo o princípio da legalidade, sem extensões ou restrições em seu conteúdo”, disse o relator do recurso, o desembargador convocado Olindo Menezes.
Ao apresentar um panorama da legislação a respeito do instituto da delação premiada, o relator destacou que o artigo 4º, parágrafo 6º, da Lei 12.850/2013 estabelece que a formalização do acordo ocorrerá entre “delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público”.
Segundo explicou, não é possível o enquadramento de pessoa jurídica como investigada ou acusada no crime de organização criminosa – não sendo possível, dessa forma, qualificá-la como ente capaz de celebrar o acordo de colaboração premiada. O relator observou ainda que o mesmo artigo 4º tem entre seus requisitos o fator vontade para a celebração do acordo, o que não é possível de obter de pessoa jurídica.
Além do fato de só as pessoas físicas poderem ser penalmente responsabilizadas por esse tipo de crime, pois a responsabilização de pessoas jurídicas é limitada a poucos ilícitos penais, “a conclusão a que se chega é de que a lei se refere realmente apenas ao imputado pessoa física”, afirmou Menezes.
No julgamento do REsp 1.977.172, a Terceira Seção decidiu que a responsabilização penal de empresa incorporada não pode ser transferida à sociedade incorporadora. O colegiado fixou o entendimento de que o princípio da intranscendência da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, pode ser aplicado às pessoas jurídicas.
De acordo com o processo, o Ministério Público do Paraná ofereceu denúncia contra uma sociedade empresária agrícola, pelo suposto descarte de resíduos sólidos em desconformidade com as exigências da legislação estadual. Essa sociedade foi incorporada por outra empresa, que pediu a extinção da punibilidade diante do encerramento da personalidade jurídica da ré originária da ação penal. O Tribunal de Justiça do Paraná acolheu o pedido.
O relator do recurso no STJ, ministro Ribeiro Dantas, explicou que a incorporação é uma operação societária típica, por meio da qual apenas a sociedade empresária incorporadora continuará a existir, na qualidade de sucessora de todas as relações patrimoniais da incorporada, cuja personalidade jurídica é extinta.
Para o relator, a extinção legal da pessoa jurídica ré – sem nenhum indício de fraude – leva à aplicação analógica do artigo 107, inciso I, do CP, com o consequente término da punibilidade.
O ministro destacou, ainda, que o princípio da intranscendência da pena é aplicável às pessoas jurídicas, o que reforça a tese de que a empresa incorporadora não deve ser responsabilizada penalmente pelos crimes da incorporada.
Fonte:www.stj.jus.br
Por: Jornal Simãodiense jornalsimaodiense