Especialistas e representantes de movimentos sociais manifestaram o temor de que a Medida Provisória
759/16 facilite a regularização da grilagem de terras no País – argumento contestado pelo governo. O tema foi discutido nesta quarta-feira (19) em audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados.
A MP possibilita a titulação de terras públicas urbanas e rurais ocupadas irregularmente, inclusive na
Amazônia Legal. Segundo o Ministério das Cidades, mais da metade das unidades imobiliárias do Brasil é irregular.
Entre as mudanças na legislação, a MP retira a exigência de plano diretor para a regularização de núcleos urbanos. O Planalto argumenta que a exigência dificultava a emissão de títulos, uma vez que os municípios com menos de 20 mil habitantes não têm plano diretor.
A medida também permite a regularização de áreas, independentemente de terem interesse social ou não. E a definição do que é de interesse social passa a ser feita por ato do Executivo municipal.
Para Sabrina Durigon Marques, do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, é preciso definir critérios mais claros. “O tratamento do que é baixa e alta renda está sendo totalmente discricionário. Fica a cargo do poder público reconhecer o direito à propriedade daquela área”, criticou.
Impacto ambiental
Juliana de Paula Batista, do Instituto Socioambiental, acrescentou que ninguém sabe exatamente que terrenos poderão ser regularizados a partir da MP, nem as consequências dessa titulação para o meio ambiente.
A debatedora comparou a medida com o Programa Terra Legal, válido para a Amazônia Legal, que também simplificava os procedimentos para regularização. “A diferença é que, na Amazônia, o interessado tinha de provar a ocupação de cinco anos. Agora, liberou geral. Ninguém sabe que áreas serão regularizadas e quais as consequências disso”, declarou.
Para Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, a mudança na lei não tem a urgência necessária para ser feita por meio de medida provisória. “Todos defendem uma facilitação para a regularização fundiária, em especial quando se trata de habitação de interesse social. O que não se pode é abrir a porteira para a legalização da grilagem”, comentou.
Retrocesso
Na avaliação do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), a medida não pode desvincular a regularização da exigência de planos urbanísticos das cidades nem pode desobrigar o governo a promover infraestrutura dessas áreas.
Ele também apontou que faltam critérios para impedir a legalização de grilagem. “É um retrocesso. A MP vai permitir uma série de negócios nos municípios entre ocupantes de alta renda e o poder público.”
Governo se defende
O Executivo foi representado no debate pelo diretor do Departamento de Assuntos Fundiários do Ministério das Cidades, Sílvio Marques Figueiredo. Ele negou que a MP facilite a regularização de áreas ocupadas por grileiros e invasores. Segundo ele, a medida tem como objetivo facilitar a regularização como um todo e apenas simplifica procedimentos existentes.
Figueiredo ressaltou que a diminuição da burocracia não dispensa as exigências ambientais e respondeu às críticas de que a mudança elimina critérios urbanísticos. “A preocupação do Ministério das Cidades foi no sentido de tentar fazer com que a regularização no País fosse feita de uma forma mais rápida, menos burocrática”, disse, acrescentando que as mudanças foram feitas depois de um diagnóstico do governo a respeito da dificuldade de regularização fundiária no Brasil.
Figueiredo citou que apenas 20% dos imóveis regularizados até agora conseguiram registro em cartório, o que justifica a alteração na legislação em vigor.
Inovações
A medida provisória também inova ao prever a titulação dos núcleos urbanos informais, ao permitir a chamada legitimação de posse e ao criar o conceito de direito de laje.
O direito de laje se aplica, por exemplo, a casas de dois andares construídas ilegalmente, em que o térreo e o andar superior são independentes e podem abrigar uma família ou um comércio.
A inovação foi criticada por Patrick Araujo Carvalho, ex-secretário-adjunto da Secretaria do Patrimônio da União. “O direito de laje não pode ser um prêmio para quem fez tudo errado por opção, para levar vantagem. Esse mecanismo implode a capacidade dos municípios de fazerem a legalização e o planejamento do solo”, sustentou.
Por sua vez, a legitimação de posse permite que o município mande abrir matrículas nos cartórios para aqueles imóveis que não são disputados judicialmente, sem a necessidade de uma das fases da regularização, que é a chamada demarcação urbanística. Isso facilitaria, por exemplo, a regularização de favelas.
A MP também possibilita que o Incra pague as terras desapropriadas em dinheiro, e não apenas com Títulos da Dívida Agrária (TDA).
Além disso, autoriza que o Incra estabeleça preços para as áreas a serem regularizadas e que os beneficiários passam adquirir o título de proprietários após o pagamento de um valor mínimo. Pelas regras atuais, o imóvel só é transferido de forma definitiva após o pagamento.
Dessa forma, o governo quer facilitar a concessão da titulação definitiva aos assentados rurais. O Incra estima que existem hoje mais de 8.700 projetos de assentamento sem titulação.
Agência Câmara de Notícias